Que dormir seja leve

O tique-tanque do relógio martela os ouvidos. Está quente demais. Não, está frio demais. Tenho sede, ou será fome?

Mas fome de quê?

Finalmente me levanto e coloco o relógio dentro de uma gaveta. Bebo um gole d’água, que cai em eco no estômago vazio.

Penso em escrever. Não, acho que vou ler. Mas acabei de terminar meu livro, e não tenho vontade de começar um novo a essa hora, dessa forma, como um consolo para a noite em claro. Não cogito ligar a TV, e me falta coragem para ver um filme.

Rabisco duas frases. Releio-as. Estou bêbada… De sono? Sinto mais como se estivesse embriagada da falta dele.

Fecho os olhos, mas os sinto abertos… Faço esforço para manter as pálpebras esticadas. O coração que dispara faz barulho, mas melhor não botá-lo na gaveta…

Abandono a cama, calço chinelos. Piso no chão com delicadeza. Aperto as mãos como sempre faço ao acordar, somente para constatar que a noite me rouba as forças. Talvez tenha que fazê-lo para me deixar dormir, mas hoje ela fracassou… Ou talvez eu não as tenha pela noite que passa, sem me levar junto.

Caminho lentamente pela casa. Os músculos do corpo me xingam. Querem ficar em repouso. Discutem com a mente. São eles que me sustentam, é verdade. Mas a mando dela. Eles emburram a cara e obedecem sem mais opor resistência.

Abro a porta da varanda e o vento me recebe, calorosamente gélido. Gotículas golpeiam meu rosto, mas mesmo assim caminho até o parapeito. Conto os carros da rua. Quatro. Dois táxis.

Encolhida, procuro entretenimento em movimentos pendulares na cadeira de balanço. A noite é fria. Chuvosa. Dormir é a festa para a qual não me convidaram esta noite.

Refugio-me de novo entre quatro paredes. Elas são péssima companhia. Olho o telefone. Poderia ligar para alguém. Ninguém me vem à mente.

Entro na cozinha. Ah, é, eu sentia fome. Mas não de comida. Nada apetece a alma, nem mesmo bananas. Como gosto delas. Fico aliviada de não ver morcegos. Às vezes eles vêm da mata. E comem minhas bananas. Dizem que eles grudam no cabelo feito chiclete. E destroçam bananas. É, acho que prefiro estar sozinha.

Penso em acordar o cachorro. Ele dorme demais, o dia todo. Parece uma criança peluda. Está esparramado. Diluiu rapidamente as preocupações com a ração, o passeio e a brincadeira de cada dia no sono.

Mas ele dorme com tanta alegria que não ouso me aproximar.

Volto para o quarto. Medito. Planejo o dia em gestação. Mas poderia ter planejado o mês, ou até mesmo, o ano seguintes. Devaneio, como gosto… Em dado momento, ele se confunde com o sonho. Se fundem. É, acho que adormeci.

Que dormir seja leve. O sono, profundo. E os sonhos não tão distantes… Boa noite.

4 pensamentos sobre “Que dormir seja leve

  1. A insonia no cansaço sempre traiçoeira mas sempre cheia de muita inspiração, a mente processa mil palavras e a mão coça para escrever. A gente ate fecha os olhos mas a mente gira com mil palavras… Tenho disso.

  2. Às vezes a insônia aparece pra nos lembrar da energia e da vida que carregamos dentro de nós. Quando finalmente adormecemos, gosto de pensar que é por termos aceitado essa força em vez de lutar contra ela. Só então estamos totalmente livres pra investí-la em nossos sonhos.
    Que seus sonhos sejam sempre lindos Lulu!
    Um beijo,
    Pri

  3. A insônia é o fogo que não se apaga da vela. Tremula, cambaleia. Nos deixa acesos. Não nos poupa do breu, no entanto. É um pingo de luz que incomoda a vista, uma única gota que cai sem nos deixar adormecer. Mas há de haver motivos para o cérebro se manter em atividade e o coração afoito…

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