Uma nota de cem ou dez de dez?

Matemática nunca foi meu forte.

E criança é um bicho meio impressionável.

Natural, então, que quando a professora me perguntasse, mais de dez anos atrás, o que eu preferia: uma nota de cem ou dez notas de dez?, eu respondesse, convicta, a segunda opção.

Dez notas chamam muito mais atenção! São dez… Enchem a mão, fazem volume, viram um bolinho. Podem ser envolvidas por um elástico colorido ou encher o céu quando arremessadas para o alto. Se o Silvio Santos tivesse que escolher, não pensaria duas vezes…

À época, a nota de cem me parecia tão sem graça… Solitária… Deslocada… Não que eu fosse Maria vai com as outras, mas ninguém a tinha.

Não tenho a lembrança dela nas mãos dos meus pais. Nem tios. Nem avós.

Mas hoje percebo que ela é rara porque impõe mais respeito. Dá pena de gastar. Você não se desfaz de uma nota de cem numa besteira. Você pensa duas vezes antes de desmembrá-la. De perdê-la. Trocá-la por notas muito mais manuseadas, gastas, rodadas.

Quando tenho uma na carteira, ela é muito mais bem tratada que as outras. Não a deixo amassar. É cuidadosamente guardada. Simplesmente porque vale mais.

Agora transfira essa analogia para a vida.

O que vale mais? Uma conversa olhos nos olhos que vare a madrugada ou cinco eventos diferentes numa mesma noite, onde o celular é convidado de honra? Uma dúzia de peças de qualidade duvidosa ou uma bolsa para durar pelos próximos dez anos? Seis amigos de carne e osso ou os seiscentos que colecionamos no facebook? Vinte e quatro horas de um dia qualquer ou uma hora em boa companhia? Oito mulheres caindo aos seus pés ou uma que te invada o pensamento aleatório do fim da tarde e te assalte um sorriso enquanto você dirige distraído?

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Que a criança possa preferir as dez notas de dez, eu até consigo entender. Ela ainda não sabe discernir quantidade de qualidade. Pelo menos eu, em criança, não sabia.

Se, à época, você colocasse um cordão de duas voltas de pedras brilhantes do lado de um anel incrustado por um pequeno diamante, e me pedisse para escolher o mais valioso, eu faria a escolha errada.

Mas a criança, e só ela, pode ser perdoada pelo inocente deslumbre.

Eu hoje já não me deixaria enganar pelo que chama mais atenção…

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